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Cunha em dois atos – Os Queijos
Mas, antes dos queijos, um pouco sobre essa mais que especial cidadezinha do interior paulista.
A geografia
Situada na confluência de três serras – Serra Quebra Cangalha, Serra do Mar e Serra da Bocaina, Cunha é uma das 22 estâncias turísticas do Estado de São Paulo. Com uma população de pouco mais de 21 mil habitantes, a cidade tem uma das maiores áreas do Estado, com nada menos que 1.407 km2. Para onde quer que se olhe, os cenários são os mais bucólicos, formados por paisagens a perder de vista, pastagens verdinhas e florestas de frondosas araucárias, entre vales profundos e montanhas recobertas de vegetação. Os fins de tarde são mágicos, com aquelas cores cambiantes. O tempo parece parado. Se você busca tranquilidade, silêncio, boa comida e momentos de pura contemplação, Cunha é o destino perfeito.
Cair da tarde em Cunha inspirado em Frans Post
Um pouco de história
Em 1975, quatro ceramistas vieram do Japão e se estabeleceram em Cunha, trazendo com eles a arte da cerâmica Noborigama, um processo de produção que tem por fundamento duas queimas sucessivas. As peças são modeladas em argila e, uma vez secas, vão para um forno para a primeira queima, por aproximadamente 24 horas a cerca de 900ºC. Depois que esfriam, as peças são retiradas dos fornos e a cerâmica tem o aspecto de um vaso ou telha de barro cozido. É a partir desse ponto que começa a mágica: as peças são pintadas com resinas e pigmentos na maioria das vezes de origem natural, produzidos a partir de cinzas de folhas e cascas de árvores e são postas novamente dentro dos fornos. Tem início a segunda queima, que dura 48 horas a uma temperatura de até 1.400ºC, onde acontece a transformação que incorpora os pigmentos e vitrifica a cerâmica. O resultado é surpreendente e nenhuma peça resulta igual à outra. Hoje, a cerâmica evoluiu muito em Cunha, novas técnicas surgiram e vários ceramistas locais e estrangeiros se estabeleceram na cidade, abriram ateliers e reforçaram o caráter indissociável da cerâmica na cidade.
Acima, ensaio com diferentes estágios de argila no atelier da ceramista Kimiko Suenaga
À esquerda, o ceramista e exímio chef de cozinha japonesa Marcelo Tokai em ação. À direita,
o trabalho exótico do português Alberto Cidraes, um dos mestres pioneiros que
trouxeram a arte cerâmica do Japão diretamente para Cunha
Para ir à Cunha, basta seguir pela Rodovia Dutra e pegar a estrada Paulo Virginio, que se inicia defronte à Guaratinguetá. Desde o seu início até Paraty são 90 km. Cunha situa-se exatamente no meio desse caminho. Porém, durante muitos anos o trecho que conecta Cunha à Paraty (que se chama Estrada Cunha-Paraty) esteve arruinado. Construída num terreno difícil e inclinado, a estrada carecia cronicamente de uma ampla reforma. Durante quase 18 anos, entre chuvas que continuavam destruindo o leito da estrada e sucessivos embargos judiciais, somente veículos 4×4 conseguiam passar, assim como também se aventuravam Fuscas, Brasílias e motocicletas, enfrentando a estrada em busca de pescados e frutos do mar em Parati. Falando em Fusca, Cunha é também conhecida como a Capital Nacional do Fusca, tantos existem na cidade.
Com a reforma da estrada, os turistas que vão à Parati começaram a subir a serra em busca da arte cerâmica, para apreciar a inigualável paisagem e comer em seus acolhedores restaurantes. Subitamente o movimento aumentou muito e o novo fluxo turístico deu um notável impulso na economia da cidade. Se Cunha já tinha alguns bons restaurantes e pousadas aconchegantes, a reconexão com Parati fez aumentar as opções de acomodações e da comida local.
Mas era sobre os queijos que estávamos falando, né? Um dos motivos de nossa visita foi percorrer as queijarias e conhecer a produção local. E que grata surpresa! Começamos pela Fazenda Cabanha Gran Sierra, antiga Fazenda Itacurussu, onde Martha Amaral cria ovelhas há 13 anos e há oito produz sete tipos de queijos de ovelha de excepcional qualidade, além de um doce de leite de sabor e textura surpreendentes.
Martha e algumas de suas 50 ovelhas
Ela nos explicou um pouco sobre as peculiaridades dos animais e falou também sobre os vários desafios que enfrenta na lida com os animais e sobre os processos de produção de seus queijos, alguns disponíveis em excelentes empórios de São Paulo. Sua produção ainda é pequena diante da grande procura.
Acima e à esquerda, o Catioca, com 90 dias de maturação, que combinou muito bem com o suculento branco chileno De Martino Estate Reserva Chardonnay 2022. À direita, o Jericó, amadurecido por 180 dias e que harmonizou com o Encosta do Sobral, um corte frutado e aromático de uvas brancas Arinto, Fernão Pires e Verdelho, produzido na região portuguesa do Tejo.
A próxima visita foi na pequena queijaria de Charlene Rodrigues, no bairro de Itararé, onde ela produz três ótimos queijos: um meia cura, um segundo queijo amarelo e de textura macia, que ela batizou de Tufão em homenagem a seu cão de estimação e um queijo cremoso estilo Boursin. Casualmente, soubemos que ela estava fazendo uma experiência, deixando alguns meia cura amadurecendo por 90 dias. Ela nos ofereceu um destes queijos para participar da prova. O queijo estava maduro, pungente e firme, tomando conta do palato e fazendo coçar o céu da boca.
Acima, Charlene conferindo a evolução do aroma de seus queijos. Abaixo, o delicioso meia cura
Acima e à esquerda, o meia cura posto para amadurecer por 90 dias ficou perfeito com o piemontês Rocchetta Futurosso Monferrato Rosso DOC 2017, um corte elaborado com as uvas Barbera, Merlot e Pinot Nero (esta última a denominação dada à uva Pinot Noir na Itália). Numa segunda harmonização com o mesmo queijo, por mais que pareça uma combinação um tanto improvável, ficou perfeito com o De Martino Escudo Sauvignon Blanc 2020.
Participaram também da prova três queijos impecáveis do Vale Jacuí, marca que a produtora Ana Paula Klinkerfuss comercializa em seu agradável espaço, o Café Capril, um lugar perfeito para uma visita e um tranquilo café da tarde em meio à rosquinhas, doces e os deliciosos queijos de cabra e doce de leite produzidos ali mesmo por ela há 15 anos.
Testamos um Moléson maturado por seis meses, um estilo Feta e um meia cura, todos de leite de cabra. Os três se mostraram excelentes, com destaque para o exótico Moléson, um queijo diferente, firme e seco, de cor clara e sabor exuberante.
Abaixo e à esquerda, a produtora Ana Paula Klinkerfuss. À direita, o Moléson maturado
Acima e à esquerda, o Feta, macio e delicado, ficou perfeito com o português Ribeiro Santo Branco 2021, blend de Encruzado e Malvasia Fina, delicado e aromático. À direita, o Moléson com seis meses de maturação combinou com o versátil Rocchetta Futurosso Monferrato Rosso DOC 2017.
A Fazenda Aracatu apresentou dois queijos, dos quais se destacou o Boursin, de excelente frescor, cremosidade e acidez. Situada à beira da estrada Cunha – Paraty, o local é ponto de parada obrigatória para quem visita a cidade, com seus queijos, embutidos, pães assados todos os dias, sorvetes artesanais e uma grande variedade de doces e gostosuras.
O Boursin da Fazenda Aracatu ficou ótimo com a acidez refrescante
do De Martino Escudo Sauvignon Blanc 2020
Cunha notabilizou-se por sua belíssima cerâmica. Depois, veio a culinária do pinhão, que deu um pouco mais de projeção à cidade. Em seguida, os campos de lavanda começaram a atrair mais turistas. E, agora, a evolução dos queijos pode ser uma nova janela de oportunidade. A cidade também vem crescendo na gastronomia – e esta é precisamente a cena do próximo capítulo aqui na Wine Not.
Texto e fotos por Johnny Mazzilli | Artigo publicado originalmente no Blog WineNot?
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